quarta-feira, 30 de setembro de 2015

 Texto e Imagens: Walmor Carvalho




Para não ter de contar toda a história novamente, cobri há algum tempo uma assembleia com a Prefeitura e a população de rua na Tenda Alcântara Machado, sob o viaduto de mesmo nome, no Brás. Nesta assembleia havia se acertado entre a população de rua e a Prefeitura - representada na figura dos secretários Eduardo Suplicy (Direitos Humanos) e Luciana Temer (Assistência Social) de que as decisões de demissão de funcionários e fechamento das três tendas de apoio na Radial Leste estavam suspensas até o fim de Setembro e que haveria uma proposta e uma proposta de encaminhamento e moradia concretas para a população de rua que mora próxima a estas Tendas.

Na assembleia, porém, ficou uma brecha - Uma das tendas, a da Mooca, não é regida diretamente pela prefeitura mas sim por uma ONG que, não se sabe se por iniciativa própria, estava a ponto de entregar o espaço de volta para a prefeitura e encerrar suas operações. Pois então, este dia chegou e serviu como demonstração de como estão escangalhadas as relações entre a população de rua e o poder municipal.

O clima já ficou tenso logo no dia anterior quando o Padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua e crítico feroz da falta de políticas para esta população, soltou uma denúncia no Facebook de que membros da Guarda Civil Metropolitana passaram em frente á tenda Mooca fazendo ameaças, fotos e avisando que faria a remoção daquela população juntamente com o fechamento da Tenda.



Ao chegar no local,o clima era de apreensão. Muitos moradores concordaram em se retirar pacificamente e outros saíram já durante a noite, quando do aviso de retirada. Porém, enquanto montava a câmera, vi uma moradora da maloca (que chamarei aqui de Joyce para preservar-lhe a identidade) falando com duas funcionárias de saúde da UBS que iria resistir, pois a alternativa em abrigo a deixaria incapaz de manter o acompanhamento médico dos filhos. Há também muitos deficientes e idosos, e todos se queixam de que a Prefeitura não lhes apresentou alternativa além do famigerado duo "Autonomia em Foco ou Aluguel Social". O mesmo aluguel social que, de acordo com outros movimentos de moradia, está congelado e o mesmo Autonomia em Foco que coloca a todos temporariamente em abrigos de emergência e, de acordo com a mesma Joyce, possui uma série de regras restritivas impediria que ela e sua filha mais velha - de 12 anos - ficassem no mesmo quarto.




Logo depois, chega o primeiro caminhão. Porém não é para a retirada dos pertences dos moradores - que já agrupavam tudo na calçada. É para a retirada dos pertences da ONG gestora do espaço. Questionados, os carregadores e o motorista diziam de nada saber e seguiram carregando as cadeiras, arquivos e móveis da administração do espaço. Ao que tudo indica, não havia nenhum plano para os bens da gente que ali morava e a prioridade fora dada aos bens da ONG. Ao falar com o Padre Julio Lancelotti, que acompanhava a ação, a Prefeitura considerou a ação toda como já comunicada a todos. Lá fora, na calçada, a mesma moradora se queixava a uma assistente social da Prefeitura que, se aceitasse o programa Autonomia em Foco, correria o risco de perder a guarda dos filhos por negligência já que teria de interromper o tratamento médico e a educação dos filhos. Outros moradores reclamavam da falta de suporte médico: Aparentemente um morador da maloca havia morrido de AVC na maloca enquanto aguardava o socorro.




A esta altura, lá pelas 10:30, chega o Secretário de Direitos Humanos Eduardo Suplicy para conferir o processo de desocupação da Tenda. Rapidamente é cercado com críticas e cobranças sobre o auxílio aluguel, além de um compromisso expresso por escrito e assinado de que irá garantir não apenas o descongelamento do auxílio aluguel, mas também que a GCM não seria truculenta com os moradores durante a eventual desocupação da maloca. O marido de Joyce então anuncia que os moradores vão ocupar a Tenda até que tudo se resolva e começam a entrar, com Suplicy indo logo atrás para inspecionar as instalações junto com a antiga gestora do espaço que, durante a apresentação das precariedades do local, teria dito que já sofreu assaltos e ameaças de morte durante sua gestão.



Chegam as 11 horas no relógio, e após pressão do padre Julio e dos membros do Coletivo, Suplicy entra no pátio vazio da Tenda para anunciar seu compromisso em agilizar
a liberação do Aluguel Social e evitar a iminente repressão por parte da GCM. Após conversa rápida no telefone com a secretária de Assistência Social, o máximo que ele se compromete é em liberar o Aluguel Social em até dois meses - com prioridade para a família de Joyce que se queixou no início do relato - e Autonomia em Foco para os outros. A decisão é questionada pelos moradores restantes e pela própria Joyce, que cita além das razões acima questões de segurança, uma vez que moradores de malocas e albergues costumam não se dar bem entre si. Além do mais, Joyce não considera correto ter sua situação resolvida em detrimento dos colegas. Ao que Suplicy indaga em quantos são, um caderno é arranjado e os próprios moradores começam a listar os 42 nomes dos que permaneceram.





Do lado de fora, encostam duas viaturas da GCM e os moradores da Maloca reconhecem dois dos guardas como hostis e autores de ameaças anteriores. Chegam também três membros do Coletivo Autônomo dos Trabalhadores Sociais, em adição aos dois já presentes que filmavam e acompanhavam a ação. De um deles pude ouvir que assistentes sociais da Prefeitura estavam sendo postos para correr na Tenda Alcântara Machado, perto dali, ao tentarem numerar as barracas da maloca e entrevistar seus moradores sem consentimento ou notificação prévia. Dois dos guardas da GCM se juntam à assembleia improvisada na Tenda e são prontamente questionados por Judie, membro do Coletivo que coloca a câmera direto na cara dos guardas.


Com a lista de nomes feita, Suplicy senta e, no mesmo caderno, começa a escrever de próprio punho uma declaração na qual se compromete com a liberação do Aluguel Social e com a segurança dos moradores da maloca frente à eventual ação repressora da GCM. Neste interim é alvo da câmera e dos questionamentos de Judie, do Coletivo, até que responde com um tapa na câmera.




Com a carta de compromisso e a lista de nomes em mãos, é saudado por todos da Maloca e até Joyce, a moradora, se sentem mais tranquilos ao ponto que Suplicy é acompanhado por todos até o carro oficial, com destino à Tenda Alcântara Machado para acompanhar o processo de cadastramento - sem saber que todos os assistentes sociais haviam sido enxotados. Os membros da Guarda Civil também saem e voltam para perto da viatura. Com tudo calmo e dependendo de uma carona, me despeço dos conhecidos e vou embora crente de um final mais feliz.




Só que, infelizmente, não houve um. No fim daquele dia, vejo a seguinte mensagem no facebook:


E assim, seguiremos relatando os próximos desdobramentos desta história.

Abraços e até a próxima.

F.A.Q.

FAQ (tchau O.I. oi Nerd na Trip)

Agora que consegui sentar e sossegar bora tirar dúvidas da patota...

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